Centro de Estudos Ferreira de Castro

Bibliografia Passiva - Textos Críticos - Caracter

UM FERVOR INESQUECÍVEL por Charles Wagner

(Crítico literário norte-americano)
Acabei de ler um livro a noite passada e depois saí de casa para me afastar dele. Mas onde quer que passem as estradas para automóveis, onde quer que pisem os sapatos com saltos de borracha, onde quer que uma borracha apague, sei, como sabia a noite passada, que nunca voltarei a sentir-me livre, que nunca serei capaz de esquecer aquele livro. Porque ele conta como a borracha é, na verdade, conseguida.
É também um romancezinho inocente, exteriormente. A capa não nos diz nada do seu fogo interior. Está cheia de luz do Sol e de sombras como a capa de um livro chamado Jungle deveria estar. Depois há uma pequena nota de tradução por Charles Duff referindo-se ao autor português, ao estilo intraduzível de Ferreira de Castro e à maneira como ele emprega palavras e expressões que não têm equivalente exacto em inglês e não são encontradas em trabalhos de consulta.
Assim me enfronhei na Amazónia com este brilhante e jovem estilista português. E achei que o romance de Castro, imensamente autobiográfico e capaz de ser o melhor dos produtos portugueses modernos, começava a entrar-me no fato, na pele, no coração, nos ossos, na medula e na consciência. Foi nesta altura que passei a reparar no significado espantoso e real do ruído da borracha do tráfego da Church Avenue sob a minha janela. Fiz força sobre os meus saltos de borracha. Who-o-oh!
A história de Alberto, um estudante universitário exilado de Portugal que ganha a vida como seringueiro numa grande plantação de borracha da Amazónia, é daqueles entrechos que reveste a própria verdade de um brilho e calor novos.
As vidas dos trabalhadores destas colónias de borracha, a sua antinatural válvula de escape de restrições, de paixão, os seus anseios e atribulações são contados com um fervor inesquecível.

(In Daily Mirror, de Nova Iorque.)
Obras de Ferreira de Castro, vol. I. Porto: Lello & Irmão, Editores, 1977, pp. 546.



Opinião de um Italiano por Alberto Viviani

Extracto de um longo artigo do crítico italiano Alberto Viviani publicado quando do aparecimento da tradução de A Selva no seu país.
O que há de novo, de formidável e de original no romance de Ferreira de Castro é o ambiente. A descrição da Amazónia perturba e maravilha. A evocação da selva verde-negra com os seus sortilégios obscuros, os seus terrores extra-humanos — com aquela exuberância de vida que determina o delírio da Natureza — esmaga e anula a natureza humana. Ali, o homem é menos do que um verme, face à majestade da terra exuberante de selva e de miasmas de morte. O poema da floresta amazónica é traçado por este jovem escritor com verdadeira mão de mestre: segurança «a visão interior, certeza na vivissecção. Escreveu este romance como poderia tê-lo feito um explorador dos trópicos que fosse, ao mesmo tempo, um artista sensível. Nunca a floresta teve até hoje narrador tão apaixonado pela sua trágica beleza.
Ferreira de Castro é, desde já, senhor duma orquestração verbal rica em acordes novos, iluminada por estranhos ritmos com os quais lhe é possível reconstituir para nós, profanos, a linguagem da floresta. Na verdade, era justo que tal acontecesse: à absoluta originalidade da intriga devia corresponder a mesma originalidade de linguagem.
Encontram-se, pois, no romance, as qualidades mais salientes deste jovem escritor português: já falei dele noutras ocasiões ao público italiano e voltarei a fazê-lo da melhor vontade e com todo o entusiasmo sempre que a oportunidade se me apresente, visto que o considero como o mais puro e genuíno representante da literatura narrativa lusitana. Ferreira de Castro é um escritor que constrói os seus romances com uma perícia que se diria quase consumada na profissão, mas que é na realidade um turbilhão de espontaneidade. Estamos na presença de um romancista de raça; dum psicólogo agudo e novo que não se detém a considerar as suas personagens nas proporções em que o fizeram tantos escritores do passado e do presente com base numa já encanecida fraseologia maneirista; pelo contrário, consegue caracterizá-las, estudá-las, analisá-las do seu ponto de vista peculiar e original, chegando sempre a conclusões imprevisíveis e extraordinárias. Segundo um escritor citado por Ferreira de Castro, numa das epígrafes ao seu romance (Euclides da Cunha), a Amazónia é a última página do Génesis ainda por escrever. Assim aparece verdadeiramente neste belo romance.
Os homens perdidos nas intricadas veredas da imensa floresta assemelham-se a náufragos miseráveis dum naufrágio num mar desconhecido e sem nome; um mar que as naves conduzidas pelo homem devem ainda conhecer, onde parece que tudo falta: até a Providência divina. A floresta, como já foi dito ao princípio, é a autêntica protagonista do romance de Ferreira de Castro; tudo o mais não passa do complemento necessário; as figuras dolorosas das personagens, os acontecimentos que marcam a vida dos homens, tudo está subordinado à vastidão primitiva da selva que hostiliza e aniquila.
A obra de Ferreira de Castro torna-se, deste modo, por consequência lógica, essencialmente descritiva, de grande e especial poderio lírico, escrita numa prosa maravilhosa pela ressonância e pela limpidez, onde se iluminam os fenómenos sociais da vida que tenta pelo esforço, pelo sofrimento, pela obstinação, implantar-se à margem da floresta, bárbara e afadigadamente.
A Selva é seguramente a obra mais forte è mais bela que este, jovem escritor até hoje produziu: e é principalmente pela sua juventude que interessa segui-lo no seu trabalho criador, que nos reserva, necessariamente, surpresas que me permito prognosticar extraordinárias.

(De Il Popolo Toscano, de Florença)



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