Zé Maria, tens de voltar à escola!
Zé Maria, os meninos precisam de ti. Eles andam felizes na sua inocência, pássaros soltos de uma floresta perdida, e irão crescer sem te conhecer. E não te conhecer é perder um amigo.
Zé Maria, os meninos ainda não sabem que tu também foste como eles, e brincaste e correste e caíste na poeira da mesma escola onde eles agora brincam e correm e caem. Os meninos ainda não sabem que também tu sonhaste um dia ser grande e fazer as coisas que os grandes fazem, e que escrevinhavas nas folhas de papel esses sonhos e essas esperanças que eram verdes como os amieiros do teu rio. E esses papéis, e outros que escreveste pela vida fora, estão agora amarelados e gastos pelo tempo e pela memória que teima em fazer-se esquecida.
Zé Maria, os meninos não te conhecem, não sabem quem tu és. Não sabem que cedo te apaixonaste pelos montes e o vale, e o rio e as árvores, e as cores e as formas, e os homens e as mulheres. E que, ainda menino, tiveste que partir para a terra feiticeira onde te esperavam as maiores aventuras na selva-casa, na selva-medo, na selva-enigma. Eles precisam de saber quem tu és, um menino que se deixou seduzir por um mundo inebriante mas pleno de contradições, onde nem todos os meninos o podem ser. Porque tu ainda és um menino, não és, Zé Maria? Um menino que de vez em quando ainda visita o Tio Zé Moleiro, sob as tranças das videiras americanas, lá no rio onde tomavas banho e eras um peixe de prata.
Zé Maria, tens de voltar à escola para contares aos meninos as tuas aventuras. Que, afinal de contas, são parecidas com todas as aventuras dos meninos-pássaros iguais a ti, mas que foram escritas por ti como lenda renovada e tivesses voltado a ser criança.
Zé Maria, tens de voltar à escola!
Zé Maria, os adultos precisam de ti. Eles andam colonizados pelo trabalho que nem se apercebem que existes. Zé Maria, eles levantam-se cedo e lutam tremendamente todo o dia, e chegam a casa derrotados à noitinha, e não têm tempo para te conhecer. Também ninguém te apresenta a estes adultos que, sem saber, têm sede de ti num tempo em que todos têm fome de pão. Estes adultos gritam pelo pão, Zé Maria, como as mulheres já gritavam na praça de neve. O tempo passa, mas os homens continuam a precisar da mesma chuva de há dez anos, de há cem anos, de há mil anos. E trabalham, e trabalham, e não há pão, Zé Maria. E trabalham sem saber que as tuas palavras têm o sustento de que alguns precisam, que elas podem ser pão e matar a fome a centenas de homens que passam fome, como tu passaste no Brasil e em Portugal. Eles não sabem que tu lhes ofereceste mais do que o pão de cada dia, que lhes ofereceste a vida e que viveste para que as tuas palavras fossem grito e fogo e não fossem caladas, e fossem elas a sua voz, a voz acesa de quem a não tem.
Zé Maria, eles nem sabem que tu amaste, Zé Maria! Eles não sabem que tu nasceste para amar, amar profundamente a terra e o mar, Portugal e o Brasil, Diana de Liz e Elena Muriel. Porque tu amaste a terra, que uniste pelas viagens pontes do tempo; porque tu amaste os homens, Zé Maria, acima de tudo os homens, esses homens que lutam há séculos pela justiça do pão repartido com igualdade e pela justiça do amor entre todos.
Zé Maria, tens de voltar à escola. Zé Maria, os homens precisam de ti. Precisam de ti os homens meninos e os homens que pensam que já estão perdidos. Porque tu, Zé Maria, que voltaste a ser criança, ainda podes resgatá-los. Com o atrevimento das tuas aventuras. Com a sabedoria das tuas palavras. Com a frescura da água azul do teu rio. Com o magnético mistério do exotismo que herdaste dos nossos irmãos.
Zé Maria, tens de voltar à escola! Tu tens mesmo de voltar à escola, Zé Maria!
4.º ano, Era uma vez a selva
6.º ano, I - O coração da selva, A Selva
6.º ano, II - O ataque dos índios, O Instinto Supremo
6.º ano, III - Manuel Bouça e o Brasil, Emigrantes
8.º ano, I - Proposta do tio a Alberto, A Selva
8.º ano, II - A chegada ao seringal Paraíso, A Selva
8.º ano, III - O coração da selva, A Selva
8.º ano, IV - O ataque dos índios, O Instinto Supremo
8.º ano, V - Um dia de caça, A Selva
8.º ano, VI - Agência do Nunes, Emigrantes
8.º ano, VII - A carta, Emigrantes
10.º ano, A Aldeia Nativa
10.º ano, Memórias, 1931
10.º ano, O Natal em Ossela
Ferreira de Castro - Notas Biográficas e Curiosidades